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Este texto apresenta um resumo da literatura acadêmica relacionada ao desenvolvimento das técnicas para cultivo de organoides em laboratório. É uma leitura indicada àqueles que se interessem pela base científica de nossos serviços.

Organoides derivados de pacientes (PDO, do inglês patient-derived organoids), são estruturas 3D que se auto-organizam e são capazes de mimetizar a arquitetura original de órgãos ou tumores, gerando o que ficou conhecido como cultivo de mini-órgãos ou mini-tumores (Kretzschmar & Clevers, 2016). Essa abordagem envolve manter em laboratório células primárias tumorais provenientes do paciente (após processamento da amostra coletada) utilizando tecnologias de cultivos celulares tridimensionais (3D), que revolucionaram os estudos de abordagens terapêutica em um ambiente pré-clínico (Driehuis et al., 2020). Os PDOs têm a vantagem de crescer em três dimensões, podendo recriar a arquitetura endógena do tecido do qual foram derivados e recapitular o ambiente tumoral in vivo de uma maneira mais fidedigna do que as culturas tradicionais em monocamada ou bidimensionais (2D) (Friedman et al., 2015).

Os PDOs podem ser gerados a partir de diferentes fontes como células-tronco adultas derivadas de órgãos específicos, células-tronco pluripotentes (PSCs), células-tronco embrionárias, células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs) e de células-tronco tumorais (Tuveson & Clevers, 2019).  A tecnologia de cultivo de organóides foi desenvolvida pelo grupo do Professor Dr. Clevers do Hubrecht Organoid Technology Institute (HUB, Utrecht, Holanda). Eles descobriram que a via de sinalização Wnt podia impulsionar a proliferação e inibir diferenciação de células-tronco de tecido intestinal adulto marcadas pela expressão do gene Lgr5 (Huch et al., 2013; Drost & Clevers, 2018). Utilizando essas células-tronco Lgr5+ dependentes de Wnt provenientes de diferente tecidos, eles geraram organóides epiteliais de diferentes órgãos, como organóides de fígado, organóides de câncer de ovário, organóides de câncer de mama, organóides de câncer de cólon e organóides de câncer de pâncreas (Clevers et al., 2016). Há hoje disponível na literatura um vasto número de publicações que descrevem diferentes protocolos para geração de organóides ou mini-órgãos de diferentes tecidos (Dye et al., 2015; Lancaster & Knoblich, 2014; Lee et al., 2018; Sachs et al., 2018; Sato et al., 2011; Gao et al., 2018; Schutgen, et al., 2019).

De maneira geral, os organóides são gerados a partir de amostras de material sólido coletadas, por exemplo, de cirurgias de ressecção ou biópsias (Vlachogiannis et al., 2018). Após a remoção de tecido não epitelial, esse material passa por processo de dissociação mecânica e enzimática, que irá isolar as células epiteliais. Essas células precisam ser mantidas embebidas em hidrogéis que mimetizam a MEC (matriz extracelular), funcionando como uma lâmina própria basal, sendo os mais utilizados o extrato de membrana basal (BME), Matrigel e Geltrex (Driehuis et al., 2020). Os meios de cultura são mais complexos que os cultivos de linhagens celulares, envolvendo um verdadeiro coquetel de fatores de crescimento que variam conforme o tipo de tecido. A maioria contém ativadores de sinalização Wnt (de Lau et al., 2011), fator de crescimento epidérmico (EGF) (The Cancer Genome Atlas Network) e inibidores de sinalização de crescimento transformador-β (Noggin) (Haramis et al., 2004). Portanto, os modelos 3D de organóides tumorais derivados de pacientes (PTDOs), por sua vez, têm sido utilizados como modelos de doença para prever a resposta do tumor do paciente às linhas de tratamento de uma maneira personalizada e também realizar inferências quanto à resistência (Tuveson e Clevers, 2019).

Estudos mais recentes têm mostrado o poder preditivo dos PDOs em estudos de correlação clínica (Byrne et al., 2017). São descritos atualmente na literatura 17 estudos que avaliaram a validade clínica dos PDOs como um biomarcador preditivo para a resposta ao tratamento na rotina clínica (Li et al., 2018; Mazzochi et al., 2018; Sachs et al., 2018; Tiriac et al., 2018; Vlachogiannis et al., 2018; Driehuis et al., 2019; Ganesh et al., 2019; Oof et al., 2019; Phan, et al., 2019; Steele et al., 2019; Votanopoulos et al., 2019; Chalabi et al., 2020; De Witte et al., 2020; Jacob et al., 2020; Narasimhan et al., 2020; Sharick et al., 2020; Yao et al., 2020). Todos os estudos foram observacionais e heterogêneos, ou seja, variam quanto ao protocolo, tipos de tumor e estágios da doença (maioria de pacientes com doenças metastáticas). Os estudos de câncer colorretal são os mais frequentes entre as publicações (5/17)  e também os maiores no número de pacientes. Os tratamentos examinados incluíram quimioterapia sistêmica, terapia direcionada, quimiorradiação e imunoterapia. O estudo APOLLO é o primeiro a oferecer aos pacientes um tratamento guiado por ensaios de triagem de fármacos utilizando PDOs, e mostrou que o tratamento guiado por PDO é viável e pode oferecer opções de tratamento adicionais para pacientes refratários (Narasimham et al., 2020). Os resultados foram promissores, principalmente, para pacientes com câncer colorretal que receberam tratamento à base de irinotecano. Os recentes trabalhos concluem, portanto, que os PDOs possuem grande potencial para serem aplicados como biomarcadores preditivos trazendo benefícios  para medicina personalizada (Wensink et al., 2021).